O ex-prefeito Sebastião Almeida pediu nesta segunda-feira, 16, desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT), sigla na qual pertenceu desde antes de ser eleito vereador, em 2000.
Leia a carta entregue ao presidente municipal do PT, Paulo Victor:
“Hoje, dia 16 de janeiro de 2017, decidi encaminhar este documento que segue ao Diretório Municipal de Guarulhos e assim colocar um ponto final em minha trajetória de 33 anos como militante e filiado do Partido dos Trabalhadores. Quem me conhece sabe que se trata de uma decisão pessoal muito difícil, mas não posso mais adiá-la.
Nos últimos meses, fui surpreendido por uma sucessão de fatos que me trouxeram até aqui; fatos que vão da negação pura e simples das conquistas obtidas por meio de nossa luta ao simples e rasteiro jogo político dos dias atuais, em que projetos pessoais e personalistas se sobrepõem aos desejos da grande maioria de filiados e militantes.
Posso e devo ser questionado por algumas atitudes em minha trajetória política – errei e acertei, como erram e acertam profissionais dos mais variados ramos de atividade. Fui eleito prefeito da segunda maior cidade do País em 2008 e reeleito quatro anos mais tarde, com a imensa maioria dos votos da população de nossa cidade. Tanto antes, como depois dessas vitórias, jamais desrespeitei a posição daqueles que discordaram ou pensaram diferente de mim. Fui criado dessa maneira e pretendo continuar minha caminhada com essa mesma disposição.
Durante 33 anos, ajudei a construir a história de um partido preocupado com as classes menos favorecidas e nunca me escondi nos momentos críticos. Fui presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Stap) em um momento difícil, defendi causas ambientais como deputado estadual e, como prefeito, criei políticas importantes voltadas à defesa de deficientes físicos, mulheres, negros e o público LGBT. Acima de tudo, governei para a população mais vulnerável de nossa cidade, o que pode ser visto pela quantidade de investimentos realizados na periferia de Guarulhos em meu mandato. Tudo isso foi feito com a colaboração de militantes do partido e de membros das mais diversas entidades da sociedade civil.
Infelizmente, porém, essa capacidade de ouvir o outro e respeitar suas opiniões, que nos permitiu avançar durante quase duas décadas, já não é mais uma prática comum no PT de Guarulhos. Hoje, o domínio do partido é exercido pelas forças majoritárias em detrimento da vontade e do desejo dos demais, que ultimamente são descartados como se fossem objetos. Mais do que nunca, está claro que o processo de disputa interna e as práticas utilizadas para obtenção do poder dentro da legenda tornaram-se nefastas aos militantes, sobretudo para os mais antigos, que empunhavam suas bandeiras vermelhas nas esquinas de nossas avenidas quando sequer havia uma chance de chegarmos ao poder.
Trato deste tema com muita tranquilidade, pois ao longo de meus dois mandatos abri espaços estratégicos para todas as forças políticas do PT – ainda que muitas vezes tenha sido cobrado e pressionado por alguns “companheiros” para que privilegiasse somente as correntes de maior peso político interno. Não me arrependo de ter agido dessa forma plural. Sempre deixei claro que quem ajuda a eleger, ajuda a governar – e isso também valeu para os aliados de outras bandeiras partidárias.
Ao adotar essa postura, contribuí para o crescimento do PT na cidade, além de deixar um legado que, tenho certeza, será reconhecido pelas futuras gerações de guarulhenses. Nesse caso específico, acredito que só o tempo trará o discernimento necessário para a compreensão do cenário atual, que mistura dificuldades econômicas e uma crise política sem precedentes na história de nosso País, e que teve seu auge justamente nos dois últimos anos do meu mandato.
Nesse momento em que se procuram culpados pelo fracasso eleitoral do PT de Guarulhos, que sequer conseguiu passar ao segundo turno da última eleição, gostaria de relembrar algumas obras desenvolvidas entre os anos de 2009 e 2016, e que muito me enchem de orgulho. Algumas dessas iniciativas foram combatidas internamente com bastante veemência, ora porque não seriam vistosas do ponto de vista eleitoral, ora porque não agradavam os interesses dos especialistas em política que surgiram aos montes após nossas quatro vitórias nas urnas: os casos do Bilhete Único e das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) talvez sejam os mais emblemáticos nesse sentido. De qualquer forma, ambos os projetos foram levados adiante em busca da melhoria da qualidade de vida de nossa população e menos em função do pragmatismo eleitoral.
Na área da Mobilidade Urbana, é impossível fazer comparações com qualquer outro governo que tenha nos antecedido. Logo no início de meu primeiro mandato, criamos o Bilhete Único, que atende 540 mil pessoas diariamente, gente que agora pode circular pela cidade pagando apenas uma passagem, seja em atividades de lazer ou para trabalhar; construímos cinco terminais de ônibus, que atendem mais de 400 mil pessoas diariamente, e corredores que só não foram ampliados pelo corte brusco de investimentos federais a partir de 2014. A cidade já está ganhando um novo Trevo em Bonsucesso e uma nova ponte na Vila Any, novo acesso à zona Leste da Capital. Além disso, fizemos intervenções junto a outros entes públicos para a ampliação das marginais da Dutra, a implantação da Linha 13 da CPTM, e o corredor de ônibus Taboão-Vila Galvão.
No caso das ETEs, iniciamos a implantação de um dos maiores programas de tratamento de esgoto do Brasil, com a construção de três estações de tratamento e a aquisição de áreas para a construção de outras três unidades, cumprindo assim o planejamento de metas estabelecidas quando fui superintendente do Saae. Nossos opositores desdenham dessas obras, que foram fruto de trabalho árduo e demorado. Porém, considero uma das grandes heranças que deixarei para Guarulhos, pois são obras que já garantem à nossa cidade tratar 50% do esgoto produzido na medida em que as ligações foram sendo efetuadas. É uma obra que terá impacto no futuro de nossos filhos e netos, e que nunca havia saído do papel por falta de vontade política. Hoje tenho satisfação em ver o quanto avançamos e de como nos tornamos referência para tantos outros estados e países.
Ao lado de vários companheiros do PT, fiz o maior programa de habitação popular da história de Guarulhos, beneficiando pessoas que viviam na margem de córregos, pessoas com deficiência física e funcionários públicos, num total de 26 mil unidades construídas; levamos asfalto, guias e sarjetas a todas as regiões, e aqui destaco o esforço feito no Presidente Dutra, um bairro esquecido onde agora as pessoas vivem com um pouco mais de dignidade; capacitamos, ainda, milhares de pessoas nos cursos de formação profissional do Fundo Social de Solidariedade e da Secretaria Municipal do Trabalho.
Na área da Educação, fizemos uma verdadeira revolução com a construção dos CEUs, que atendem todas as regiões de Guarulhos, equipados com piscinas, bibliotecas e telecentros, equipamentos com os quais a população da periferia sequer se permitia sonhar. Os críticos ao projeto, inclusive algumas lideranças importantes de nosso Partido dos Trabalhadores, até hoje reclamam que os CEUs foram um investimento alto, e que exigem recursos elevados para sua manutenção. Pois não me arrependo de nenhuma unidade construída na periferia de nossa cidade. Se dispusesse de mais recursos, o que não foi possível por causa da crise econômica, com certeza teria entregue outros CEUs, pois estou convencido de que esse tipo de equipamento é uma forma eficaz de mudar a realidade dos mais pobres e oferecer oportunidades às crianças.
Governar não é uma tarefa fácil, afinal, exige tomada de decisões diárias. É normal agradar a uns e desagradar a outros. Dentro do partido, então, essa relação é ainda mais exacerbada, pois os embates se dão muitas vezes em nível ideológico sem levar em consideração as enormes responsabilidades que um governo voltado a toda a população exige. O grande exemplo dessa incompreensão se deu no final de meu mandato com a polêmica em torno do aumento da tarifa de ônibus, que aliás sempre foi praxe em nossas administrações nessa época do ano. Se eu pudesse, jamais tomaria essa medida, porque sei o impacto disso no bolso das pessoas. Ocorre que não havia outra solução para que se pudesse manter o sistema funcionando de maneira equilibrada, garantindo a manutenção de uma conquista tão importante como o Bilhete Único.
Esse foi, sem dúvida, o fato derradeiro para minha saída do PT, porque extrapolou os limites de respeito pela história que construí no partido e, acima de tudo, pelos personagens envolvidos. Demagogia tem limites, pois todos sabem o peso do subsídio no orçamento dos municípios para manter o transporte público. A decisão eleitoreira tomada pelo atual prefeito de São Paulo, um político de um partido adversário histórico do PT, vai sufocar a realidade das cidades da Região Metropolitana, atingindo principalmente os municípios menores. Esta atitude do prefeito eleito e do governador de São Paulo foi até elogiada por alguns petistas, ledo engano, em São Paulo quem usa mais de um ônibus por dia foram os mais castigados com o aumento.
Ao longo dos últimos meses, os prefeitos da região fizeram reuniões e conversaram bastante sobre a melhor medida a tomar para evitar que as conquistas dos últimos anos, e aqui repito que o Bilhete Único é a maior delas, não sejam desconstruídas – algo que está ocorrendo diariamente diante de nossos olhos com a reforma da previdência, a entrega do Pré-Sal aos estrangeiros e a suspensão de bolsas de ensino para os estudantes.
Ao invés do diálogo, que sempre foi o melhor caminho para a solução de nossos conflitos, um grupo de parlamentares do PT optou por resolver o problema através do Judiciário. Depois de tudo que aconteceu no decorrer de 2016 na legenda, confesso que não fiquei surpreso. Apenas decepcionado, sobretudo porque a maioria desses filiados passou pelo governo e sabe que não existe mágica na administração pública, ainda mais quando se vê uma queda acentuada na arrecadação. Essa medida, porém, nos leva a refletir sobre outras decisões tomadas ao longo do ano, a começar pelo processo de prévias para a escolha do candidato a prefeito, decidida por meio de alianças impensáveis que deixaram muita gente sem entender o que de fato aconteceu. Inimigos declarados, da noite para o dia, transformaram-se em melhores amigos.
Na campanha eleitoral, a situação foi ainda mais cruel. Sob a alegação de que o governo não era popular, o PT de Guarulhos escondeu o vermelho e a estrela que marcou sua história. Pior que isso. Todas as realizações dos últimos oito anos, que não foram poucas como já pude demonstrar algumas linhas atrás, terminaram sendo jogadas para debaixo do tapete. No mundo de faz de conta criado para enganar os eleitores, escondemos nossa identidade, nossos líderes históricos como o ex-presidente Lula, e qual foi o resultado disso? Nenhum, porque pela primeira vez em quase 20 anos ficamos de fora do segundo turno de uma eleição. Agora, eu pergunto: qual foi a lógica de se esconder as boas iniciativas de meu governo, que atendem uma parcela importante da população? As ETEs não são importantes? O Bilhete Único? Os CEUs?
Justiça seja feita a alguns heroicos candidatos a vereador, que desafiaram as orientações em curso e tiveram a coragem de defender o governo que ajudaram a construir. Espero que isso sirva como uma reflexão para todos os militantes nos próximos pleitos. Ainda mais em uma cidade de difícil comunicação como a nossa, sem uma emissora de tevê aberta que permita divulgar as ações do Poder Público ao cidadão. Nesse caso, negar as ações de um governo do PT é de fato um crime, uma piada de mau gosto com todos que ajudaram a construir a história do partido na cidade. De qualquer forma, também aqui não há surpresa, pois foi apenas o ápice de um processo de ódio e vingança gestada ao longo dos anos, pela mal digerida derrota em disputas do passado.
Também lamento o ódio que vem sendo destilado nas redes sociais, com calúnias e ataques covardes desferidos anonimamente contra quem quer seja. Ódio que é alimentado, inclusive, por alguns militantes de esquerda que, muitas vezes até sem perceber, estão destruindo, de maneira ingênua, tudo o que levamos décadas para colocar em prática. Essa guerra que se trava nas redes sociais não pode iludir o militante mais preparado, pois, como diria Raul Seixas, de quem sabem sou fã confesso há muito tempo, essa “é uma verdadeira luta com os galhos, sem saber que é lá na GLOBO que está o curinga do baralho”.
Para concluir, agradeço de coração a todos os companheiros do PT pelos 33 anos em que lutamos juntos, lado a lado, muitas e grandes dificuldades. Nesse momento, sinto um pouco de saudosismo pela nossa trajetória, especialmente a época em que estávamos distantes do poder e que ouvíamos uns aos outros sem deixar que os projetos pessoais se sobressaíssem ao desejo da maioria. Foi um dos momentos mais lindos da nossa história, em que a palavra SOLIDARIEDADE nos mantinha vivos – a solidariedade que independia de quem você estava apoiando. Infelizmente, teoria e prática tomaram rumos bastante diferentes.
De minha parte, mantenho o compromisso de continuar sonhando em construir uma sociedade e uma cidade cada vez melhores. Com certeza, por meio da luta legítima, já avançamos muito. Tenho profundo orgulho de ter participado dessas transformações e sei que a história saberá julgar todos os nossos esforços nesse momento de dificuldade.
Agradeço a todos e tenho o maior respeito pela história dos militantes do PT. Deixo o Partido dos Trabalhadores a partir desta data. Jamais, porém, desistirei de lutar por uma sociedade mais justa e fraterna, em que lealdade e gratidão sejam valores fundamentais para que possamos progredir e construir novos paradigmas de convivência e, sobretudo, compreensão ao próximo”.
Fonte: Click Guarulhos