Uma noite emocionante, regada a lembranças saudosas que só a verdadeira música de raiz consegue nos proporcionar. Mesmo debaixo da forte chuva que caiu na noite da última sexta-feira (3), um número expressivo de fãs prestigiou a Orquestra de Violeiros Coração da Viola durante o lançamento do novo disco “A Viola volta ao Teatro”, no Adamastor Centro.
O secretário-adjunto de Cultura, Adalmir Abreu, e o diretor de Cultura, Tiago Ortaet, também prestigiaram a Orquestra e receberam das mãos dos músicos exemplares no novo disco.
Com dez violas caipiras e dez violões, o corpo artístico é composto por músicos que acompanham a orquestra desde o seu surgimento, em 1979, como o Seo Oliveira, Mario, Xavier, Camarada e Celestino, mas também por músicos que nesse longo percurso de quase 40 anos de estrada passaram a somar técnica e expressividade ao grupo.
Modas simples com acordes básicos, o rico repertório contou com canções que reviveram momentos singulares da música caipira, como “Meu Ipê Florido”, “Pescador e Catieiro”, “O Caminheiro”, “A natureza”, “Treze de Maio”, “Velhas Cartas”, “Moreninha Linda”, entre outras.
Amor à primeira vista
Além de técnica, a jovem violonista Natália Carvalho agrega leveza e carisma à Orquestra de Violeiros. Aluna do professor Douglas Cruz, ela é exemplo de talento que surgiu no Instituto Marungo e logo ganhou espaço em meio ao experiente grupo.
Hoje, aos 17 anos, há três em companhia da orquestra, Natália é a mascote da turma e fala com alegria da riqueza de histórias que teve a oportunidade de conhecer junto aos músicos: “Gosto bastante de tocar com eles, são várias histórias vividas pela orquestra, memórias de viagens, apresentações, músicos que conheceram”.
Outro aluno do Instituto Marungo que passou a integrar a Orquestra de Violeiros é Alfeu Leonoro, de 72 anos. Paulista de Lins, Alfeu conta que se mudou para Guarulhos em 1974, quando veio morar no Parque Cecap:
“Tocar com eles é muito emocionante, me faz resgatar tudo o que eu vivi na infância. O repertório traz somente músicas de raiz mesmo, aquelas que eu ouvia minha mãe enquanto ela carpia o cafezal, quando a gente era criança no interior”.
Uma tradição que passa de geração a geração
O bate papo com Oliveira Alves Fontes, o Seo Oliveira, é ainda mais precioso, principalmente porque, aos 72 anos, ele mantem grande vigor e força ao contar histórias que nos transportam para outras épocas.
Música sertaneja clássica, de raiz. Seo Oliveira lembra com louvor da época em que a dupla Tonico e Tinoco levou a Orquestra de Violeiros Coração da Viola para uma inesquecível estreia no Theatro Municipal de São Paulo.
“Viajamos muito com a Orquestra e só paramos depois de 10 anos, quando algumas duplas despontaram, gente como Pena Branca e Xavantinho, Camões e Camargo, Jangadeiro e Marajó, Bela Monte e D’artagnan, que foram tocar inclusive fora do país, levando a nossa música sertaneja para outros lugares”.
Por iniciativa da Secretaria de Cultura e do Instituto Marungo, a Orquestra volta à ativa definitivamente em 2013. Mantendo a tradição, os músicos se dedicam a perpetuar com gosto e prazer, o legado da música caipira.
Seo Oliveira explica ainda que, além da Orquestra de Violeiros, o Instituto Marungo promove também outros dois projetos, importantes por manter tradições fundamentais da cultura brasileira, como Os Favoritos da Catira e Os Mensageiros dos Santos Reis.
Um “dizer” e dois “entender”
“Pra conhecer vocês, foi de longe que eu vim, e eu considero vocês como um lindo jardim, vou fazer um pedido, espero a resposta sim, vou entrar no meio dessas flores, e escolher uma rosa pra mim”. De improviso e de coração, Antonio Roberto dos Reis, o Seo Roberto, nos recebe com versos amigos.
Com a calma própria dos seus 73 anos, Seo Roberto explica que para que a música seja considerada de raiz, ela não tem que, necessariamente, ter sido composta há 50 anos; ela precisa atender a cinco ritmos específicos: moda de viola, cateretê, arrasta pé, cururu e pagode.
Sobre as conquistas alcançadas pela Orquestra hoje, em sua terceira formação, Seo Roberto aponta o fato dela ser um patrimônio cultural da cidade de Guarulhos:
“Isso nos profissionalizou ainda mais e nos fortaleceu muito porque antes não tínhamos uniforme e nem cachê; hoje, fazemos também shows beneficentes em asilos e hospitais, somos valorizados e reconhecidos”.
A profissionalização à qual Seo Roberto se refere chegou também à qualidade do som que os fãs de música caipira conferiram no Adamastor Centro. Instrumentos adequados, professor de música e ensaios constantes garantiram uma gama maior de músicas oferecidas ao público como um bálsamo para as lembranças de outrora.
E por falar em lembranças, o mestre de obras Luiz Carlos de Souza Andrade, de 59 anos, teve muitas enquanto assistia emocionado à apresentação da Orquestra.
“Aprendi a gostar desde criança, meu avô era violeiro e sempre frequentávamos festas de catira e rodeios”. Apaixonado por essas canções, Luiz acredita que a música caipira é uma dádiva divina com a qual o homem do campo fala de sua vida simples.